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14/01/2010 03:00
A POLÍTICA DA DÍVIDA ARGENTINA
EM CONVERSA informal com membros do governo brasileiro, um integrante da cúpula econômica da Argentina diz que são agora menores as chances de resolver o problema do restante do calote da dívida neste ano, default que faz oito anos exclui o país do mercado mundial de crédito (trata-se da renegociação com credores que ficaram fora do duro "acordo" de 2005). Ao menos, o início da renegociação será bem atrasado. A confusão política tende a encarecer a reestruturação e os eventuais novos empréstimos, o que pode torná-los inviáveis. O plano de voltar ao mercado subiu no telhado devido ao conflito entre o governo de Cristina Kirchner e seu extravagante banco central. No papel, o BC é muito independente, embora tenha seguido até aqui quase todas as orientações do governo, inclusive sendo cúmplice na fraude do índice oficial de inflação. O presidente do BC argentino recusa-se a ceder US$ 6,6 bilhões das reservas internacionais para o Fundo Bicentenário de Desendividamento e Estabilidade. O fundo é apenas um artifício. Trata-se de usar reservas para pagar parte da dívida externa do governo, o que alivia o Orçamento e abre espaço para mais gastos. Dos cerca de US$ 100 bilhões do calote de 2001, sobraram US$ 20 bilhões nas mãos de credores duros. Em 2005, a Argentina "reestruturou" a outra parte da dívida, aceitando pagar apenas 30%. Os credores que sobraram incluem os chamados "fundos abutre", investidores que compraram a dívida desvalorizada com o propósito de reaver seu valor integral. Vez e outra fundos argentinos no exterior são embargados por juízes, como aconteceu anteontem numa corte de Nova York. A crise com o BC deixa o governo dos Kirchner sem poder de fogo para pagar seus compromissos e, ao mesmo tempo, oferecer uma boa proposta de renegociação da dívida. Sem a renegociação, o país continua a viver da mão para a boca no que diz respeito ao financiamento de sua dívida. A disputa com o BC, de resto, deve amedrontar futuros e eventuais novos credores (já suficientemente receosos de um governo que intervém demais no mercado). Ainda pior, o presente tumulto argentino não é apenas uma encrenca legal entre governo e BC. Trata-se da primeira demonstração de força da oposição depois que o governo perdeu a maioria no Congresso, no ano passado. Haverá eleição presidencial em 2011. Néstor Kirchner quer ser candidato e pode enfrentar Julio Cobos, vice-presidente desafeto e presidente do Senado que lidera a oposição ao ativismo estatal dos Kirchner (na verdade, a qualquer iniciativa dos Kirchner). Embora tenha vivido recessão ruim em 2009 e com perspectivas de crescer pouco em 2010, as contas públicas da Argentina não estão estropiadas, e o saldo do comércio exterior deve ser ainda forte. O contexto externo é favorável -o Brasil vai voltar a crescer e os preços das commodities se recuperam. Os Kirchner estão em baixa política, mas não há "fundamentos" bastantes para criar confusão financeira no país -ao menos, não no curto prazo. A disputa política feroz pode não apenas atrapalhar os planos financeiros dos Kirchner mas, incontida, pode também detonar uma crise que não estava no horizonte. Fonte: Folha de São Paulo