Não há dúvidas de que a promulgação da reforma tributária (Emenda Constitucional 132/23) – que segue em sua longa jornada de tramitação – marca um divisor de águas para a sistemática de cobrança e arrecadação de impostos no Brasil. A transição do modelo atual, baseado em todo um ecossistema de tributos federais, estaduais e municipais para a lógica do IVA Dual a partir da criação da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS, de competência federal) e do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS, de competência estadual e municipal), inaugura um paradigma que impactará diferentes setores, incluindo o segmento de saúde, cujo campo da assistência médica privada movimenta cerca de 6% do PIB Nacional.
Nesse sentido, estamos falando de mudanças que redesenham o modo como clínicas, hospitais e profissionais de saúde autônomos que atendem uma parcela relevante da população operam, em especial no que diz respeito à carga tributária e à estrutura de emissão de notas fiscais.
Todos esses pontos exigem uma reorganização dos processos fiscais e estudo de possibilidades para que os impactos da reforma não se transformem em perda de competitividade e potencial aumento de custos no setor de saúde
Um dos pilares da reforma tributária é a adoção da lógica de não cumulatividade ampla, com a extinção do sistema que permite o acúmulo de tributos ao longo da cadeia produtiva — o chamado "efeito cascata". A CBS e o IBS funcionarão sob o modelo de crédito financeiro, permitindo o abatimento de tributos pagos nas etapas anteriores. E, embora em um plano essencial, a mudança traga mais transparência ao sistema fiscal do país, há complexidades significativas no plano prático que alcançam, por exemplo, os profissionais PJ do setor de saúde.
Além disso, os prestadores de serviço poderão ser afetados com um eventual aumento de carga tributária quando consideramos seu quadro de custos dedutíveis e créditos que podem, de fato, ser aproveitados na nova sistemática não cumulativa – e isso mesmo considerando o tratamento favorecido para o setor de saúde, com redução de 60% de alíquota. Esse contexto exige uma avaliação quanto ao regime tributário escolhido pelo profissional – em alguns cenários, os créditos gerados no Simples Nacional podem ser inferiores do que no modelo do Lucro Presumido. Além disso, estudos indicam uma pequena elevação de alíquota geral a partir da substituição de PIS e Cofins pela CBS.
A reforma tributária também altera a dinâmica de emissão de notas fiscais no setor de saúde. Conforme supracitado, uma fatia significativa dos profissionais da saúde atua hoje como pessoa jurídica, emitindo notas fiscais e aproveitando os benefícios de regimes de tributação simplificada, como o Simples Nacional – que pode, no entanto, perder atratividade no contexto da Reforma.
Por sua vez, para os médicos autônomos que atuam como pessoa física, já está valendo a obrigatoriedade da emissão de recibos com CPF, via o aplicativo “Receita Saúde”, em vigor desde o ano passado. Além disso, com a introdução do modelo de split payment, é importante considerar que o valor dos tributos passa a ser recolhido diretamente na origem da receita, fato que pode limitar a liquidez e exigir ações inteligentes para a gestão do fluxo de caixa de clínicas e profissionais de saúde de modo geral.
Todo esse contexto, por fim, tende a impor uma reavaliação de contratos, estruturas de faturamento, escolha de regime tributário e até mesmo de configuração societária dentro de um setor fundamental para o país. O setor de saúde enfrenta, portanto, uma dupla tensão: um aumento eventual de carga tributária em alguns contextos – mesmo com as isenções específicas para o segmento – e a necessidade de reestruturação de processos.
Para hospitais e clínicas de grande porte, há espaço para adaptação via recuperação de créditos e planejamento fiscal. Já para os pequenos e médios prestadores, o cenário exige um olhar estratégico com foco na sustentabilidade operacional de longo prazo. Diante desse novo cenário, é imperativo que os agentes do setor se preparem com um mapeamento detalhado de sua estrutura de custos, contratos e avaliação de oportunidades de otimização financeira – inclusive pela via da digitalização de processos. Esse é um ano decisivo para essa avaliação, já que as mudanças da reforma tributária começam a ser testadas a partir de 2026 e quem se preparar hoje pode colher frutos positivos no futuro.
Por: Francisco Felinto é Diretor de Marketing e Inovação na NFE.io na Gazeta do Povo
Edital de Convocação de Assembleia Geral Extraordinária publicado no dia 25 de junho, no AGORA RN, pág.15, Ed. Esportes.
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