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02 de junho de 2021

PIB desacelera no primeiro trimestre, mas volta ao patamar pré-pandemia

 

Crescimento da economia no primeiro trimestre, porém, perdeu ritmo em relação ao final de 2020. Instituições reajustam previsões de 2021 para cima, mesmo com riscos no radar, como crise hídrica e nova onda de covid-19

 

O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu 1,2% no primeiro trimestre de 2021, em relação aos três meses anteriores, conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgados ontem. O resultado da formação de riqueza do país apresentou desaceleração na comparação nos dois trimestres positivos da segunda metade de 2020, apesar de ter ficado acima da mediana das previsões mais recentes do mercado.

Com esse resultado, o PIB brasileiro se igualou ao patamar do quarto trimestre de 2019, período pré-pandemia, mas ainda está 3,1% abaixo do registrado no primeiro trimestre de 2014. O dado do IBGE provocou uma nova onda de revisões do PIB para cima. Os mais otimistas passaram a prever alta acima de 4%, e os mais otimistas, como os bancos Goldman Sachs e BNP Paribas, de 5,5%, em grande parte, devido ao efeito do carregamento estatístico do PIB de 2020, de 4,9%, na maioria das projeções.

Analistas observam, porém, que os riscos para esse crescimento se concretizar não podem ser ignorados, como a crise hídrica, que entrou no radar e deve pressionar ainda mais a inflação, e a terceira onda da pandemia, que não está descartada, especialmente se o programa de vacinação continuar lento.

A economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), lembrou que o processo de recuperação da economia ainda é lento e muito desigual, principalmente no setor de serviços, o que mais emprega e que não voltou totalmente ao patamar pré-pandemia. O segmento de serviços prestados às famílias, que inclui restaurantes e hotéis, por exemplo, está 9,5% abaixo do registrado antes da chegada do coronavírus.

“O copo está cheio para alguns e meio vazio para outros, porque a recuperação está sendo muito heterogênea e vários setores não crescem na mesma proporção e só devem voltar ao patamar pré-crise quando houver sucesso na vacinação”, afirmou Sílvia Matos. O Ibre manteve a previsão de 4,2% para o PIB do ano e reduziu de 1,1% para 0,5% a estimativa de queda no segundo trimestre.

Já o ministro da Economia, Paulo Guedes, em audiência virtual com parlamentares, classificou o dado do IBGE como “bastante forte”, enquanto o mercado financeiro reagiu positivamente, com alta da Bolsa e queda no dólar. O consenso entre os especialistas ouvidos pelo Correio, é de que o avanço de 1,2% no PIB dos primeiros três meses do ano “foi resultado da resiliência da economia brasileira” em meio à pandemia.

A economista Alessandra Ribeiro, sócia da Tendências Consultoria, recomenda cautela. “Há muitos riscos que precisam ser considerados, porque a aceleração da economia vai depender muito do ritmo da vacinação e da questão hídrica, que vai bater na inflação e isso é um limitador para o crescimento do PIB”, destacou.

Os dados do PIB mostram que, do lado da oferta, houve crescimento em todos os setores, mas, do lado da demanda, o consumo das famílias e o do governo caíram 0,1% e 0,8%, respectivamente. A agricultura foi o destaque no lado da oferta, com alta de 5,7% no trimestre. Já a indústria e serviços avançaram 0,7% e 0,4%, respectivamente.

A compensação do lado da demanda ficou com o investimento, que cresceu 4,6%, resultado acima das projeções. O dado, porém, foi contaminado por importações apenas contábeis de plataformas de petróleo, no âmbito do programa Repetro, que concede incentivos fiscais ao setor.

“Nesse caso, há o impacto do Repetro nas importações, que é apenas uma manobra contábil de incorporação de plataformas de petróleo e que entram com forte peso, tanto na importação quanto no investimento, por conta do componente de absorção de máquinas e equipamentos, que é cerca de 50% do investimento no país”, resumiu Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.

Juros
Apesar de ter ficado acima das previsões, a alta do PIB brasileiro ficou na 19ª colocação num levantamento feito pelo economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini entre 53 economias. Na comparação com o último trimestre de 2020, o país perdeu sete posições. O Chile foi o país latino-americano melhor colocado — quarto colocado na lista liderada pela Croácia.

Agostini manteve as projeções e descartou crescimento acima de 4% neste ano, por conta das incertezas no quadro econômico. “Uma delas está relacionada ao processo de aperto monetário, inclusive, com possível maior dosagem nas doses de alta da Selic (taxa básica da economia) nas próximas reuniões do Banco Central diante das pressões inflacionárias mais fortes”, disse. Para ele, como a crise hídrica vai ajudar a pressionar a inflação para acima do teto da meta, de 5,25%, por conta dos reajustes na conta de luz, o Banco Central será obrigado a elevar ainda mais a Selic.

Renda cai e famílias reduzem o consumo

Principal motor do Produto Interno Bruto (PIB), o consumo das famílias, recuou 0,1% nos três primeiros meses do ano, após dois trimestres positivos, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar de pequena, a queda chama a atenção, porque esse componente das contas nacionais equivale a pouco mais de 63% do PIB. Em relação ao mesmo período de 2020, o recuo foi de 1,7%, e, no acumulado em quatro trimestres, o tombo foi de 5,7%, acima da retração de 3,8% do PIB na mesma base de comparação.

Segundo o IBGE, a variação negativa do consumo das famílias foi reflexo da pandemia e da inflação em alta, que, com a interrupção do auxílio emergencial nos primeiros meses do ano, ajudou a encolher ainda mais a renda da população, afetando atividades produtivas. A produção da indústria de transformação, por exemplo, caiu 0,5% na margem, puxada pela retração no consumo.

Essa é a realidade da dona de casa Maria de Fátima Silva Teodoro, de 57 anos, moradora do Gama, que tem feito compras apenas em mercados e feiras e tem evitado alimentos industrializados e itens supérfluos. “Hoje em dia, não consigo comprar nada além do essencial para passar o resto do mês, o que já fica muito caro para três pessoas, como é meu caso, que moro com meus dois filhos”, afirmou.

A professora Jeyze Brito, de 22 anos, conta que reduziu as idas ao supermercado a apenas uma por mês. “Tudo está muito caro. O preço da carne, principalmente, está muito elevado, mas também vi aumento no óleo e no arroz. Levar o mesmo tanto de alimentos de um ano atrás está saindo praticamente pelo dobro do valor. Mesmo economizando, o gasto no mercado está altíssimo, e nem sempre conseguimos fazer uma compra mais completa”, disse ela, moradora de Santa Maria.

Endividamento
Para especialistas, o endividamento das famílias, que atingiu o recorde de 57,7% da massa salarial em fevereiro, conforme dados do Banco Central divulgados na semana passada, pode atrapalhar uma retomada mais forte do consumo daqui para frente, porque o desemprego deverá continuar elevado. Pelas estimativas da economista Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), a taxa de desemprego, atualmente em 14,7%, vai encerrar o ano em 14,8%.

“O mercado de trabalho está gerando vagas, mas, mesmo se houver uma retomada da mais forte da economia, o número de postos não será suficiente para absorver o contingente de desempregados, que vai aumentar quando as pessoas em situação de desalento voltarem a procurar emprego”, alertou.

Patrícia Krause, economista da seguradora Coface para a América Latina, observou que a inadimplência está baixa devido às negociações de dívidas recentes realizadas pelos bancos. Contudo, com o alto endividamento das famílias, há risco de a taxa de calote começar a subir. “Para a economia ter uma recuperação forte e as famílias voltarem a consumir, é preciso uma reabertura, de fato, e isso será possível se a vacinação da população for bem-sucedida”, destacou. (RH e Fernanda Strickland, estagiária sob supervisão de Odail Figueiredo)

Bolsa reage com alta; dólar cai
Embalada pelo avanço de 1,2% no Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre, a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) fechou em alta de 1,63%, aos 128.267 pontos, na terceira quebra consecutiva de recorde de fechamento. O dólar recuou 1,51%, a R$ 5,146, o menor valor desde 21 de dezembro. Para a economista-chefe do Credit Suisse no Brasil, Solange Srour, a surpresa positiva do PIB mostra que o Brasil pode crescer mesmo sem estímulo fiscal, embora ainda tenha de avançar em questões estruturais, como as reformas, especialmente a administrativa, pelo efeito futuro sobre os gastos obrigatórios.

 

Fonte: Correio Braziliense

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