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15 de março de 2021

Perspectivas da Reforma Tributária no Congresso

 

No dia 5 de março, o Grupo de Estudos de Políticas Tributárias (GEP)[1] promoveu interessante evento sobre “Perspectivas da Reforma Tributária no Congresso”, o qual contou com três ilustres convidados: o deputado federal e vice-presidente da Câmara dos Deputados Marcelo Ramos, o deputado federal Eduardo Cury, bem como o analista político Paulo Gama, da XP. Os três palestrantes fizeram uma profunda análise dos possíveis caminhos políticos dos projetos de reforma tributária hoje em discussão e nos trouxeram informações relevantes sobre o futuro da questão no Congresso.

Uma primeira confirmação foi a de que a mudança no comando da Câmara e do Senado terá impacto relevante na forma de tramitação e no conteúdo de uma eventual reforma tributária, tal como destacado pelo deputado Marcelo Ramos. Segundo ele, a reforma administrativa teria ganhado prioridade sobre a reforma tributária, havendo a expectativa de que a reforma administrativa ocorra no primeiro semestre, deixando a tributária para o segundo semestre de 2021.

Outra importante mudança parece dizer respeito à tramitação da questão no Congresso, pois o relator da reforma tributária na Comissão Mista, o deputado Agnaldo Ribeiro, deverá agora apresentar seu relatório diretamente à Comissão, que a encaminhará para o Senado. Ou seja, seguindo caminho inverso ao anteriormente esperado, a tramitação começará no Senado para posterior revisão pela Câmara e final aprovação do Senado.

Ainda segundo o deputado Marcelo Ramos, haveria uma possibilidade maior de o projeto a ser considerado pelo Congresso se aproximar mais do texto da PEC nº 110, indicando uma tendência de criação de um IVA dual. Sobre esse ponto, o parlamentar justificou que o Brasil ainda não teria maturidade para uma estrutura tal qual a proposta na PEC nº 45, principalmente em função da informalidade de nossa economia e das desigualdades regionais.

Ramos defendeu que, paralelamente ao debate da reforma tributária, deveria se buscar fazer um amplo pacto tributário nacional, envolvendo: (i) uma lei nacional do ICMS com padrão mínimo e máximo de alíquotas, principalmente para três principais operações que geram receita de ICMS, quais sejam a energia elétrica, a telefonia e os combustíveis, considerando faixas baseadas em IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) para coibir guerra fiscal; (ii) um marco regulatório das políticas de desenvolvimento regional e setorial, para se evitar que incentivos sejam dados apenas a grupos de pressão e sem o devido acompanhamento; (iii) a criação de métricas de avaliação do gasto tributário e critérios de conceção de benefícios fiscais; (iv) a unificação do PIS/COFINS com IPI, bem como da CSLL com IRPJ, de modo a evitar que União se utilize de tributos cujas receitas não são dividas com entes da federação; (v) um mutirão do Judiciário de decisões colegiadas para harmonizar decisões monocráticas díspares; e (vi) um pacto de submissão da Receita Federal do Brasil (RFB) às decisões dos Poderes Legislativo e Judiciário, para evitar que continue atuando de maneira contrária a posicionamentos já adotados pelo Congresso ou nossas Cortes.

O deputado Marcelo Ramos ainda disse não ser contra, por princípio, a um imposto sobre movimentação financeira e defendeu fortemente a tributação dos dividendos, hoje isentos.

Por sua vez, o deputado Eduardo Cury ressaltou que a Constituição Federal de 1988 criou um Estado que, pelo fato de o Brasil ser um país pobre, não poderia ser financiado somente por meio da arrecadação do imposto de renda. Por essa razão, optou-se por aumentar os impostos sobre o consumo. Essa situação, segundo o deputado, tira competitividade e encarece os produtos, além de resultar em excessiva cumulatividade, sobretudo nas exportações. Além disso, foram assegurados inúmeros benefícios e regimes especiais que criaram “uma grande distorção em todo o sistema, o que incluiu o pior dentre eles que é o ICMS” e por isso que, para o parlamentar, uma reforma sem considerar o ICMS não é uma reforma tributária. Sinalizou ainda achar bastante improvável que tenhamos uma reforma tributária nos próximos dois anos, pois isso demandaria um governo forte e focado, bem como um parlamento na mesma direção, o que parece não ocorrer atualmente.

O deputado Eduardo Cury demonstrou grande preocupação com eventual reforma tributária feita no presente momento, pois se trata de tema complexo e que exige uma unidade de comando frente aos diferentes grupos de stakeholders. O primeiro grupo é formado pelas grandes cidades, cujo ISS cresce ao longo dos anos e, portanto, tendem a resistir à reforma. O setor de serviços, cujo consumidor sofrerá oneração em virtude da reforma, e os setores incentivados – sejam legítimos ou não (aqueles vindos de lobbies poderosos) – igualmente representam resistências importantes. Por fim, defende que o desequilíbrio natural na arrecadação de Estados e Municípios demandaria a existência de Fundos de Equalização para a transição e, na visão de Cury, não haveria disposição do governo federal para financiar um fundo desta natureza.

Diante deste cenário, o deputado aponta que o que pode acontecer na prática é o encaminhamento da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) proposta pelo governo federal sob o Projeto de Lei nº 3.887/2020. Entretanto, na opinião dele, o governo exagerou ao propor uma a alíquota de 12% para substituir com neutralidade o PIS e a COFINS. Segundo estudos apontados pelo Deputado, uma alíquota de 6% poderia ser suficiente para tanto.

Por fim, o deputado Eduardo Cury ainda se mostrou contrário a um imposto sobre movimentações financeiras. Acerca da tributação dos dividendos, ainda que favorável, ao menos em tese, acredita ser muito difícil se viabilizar tal forma de tributação no momento em razão da tributação corporativa pouco homogênea (em razão dos diferentes regimes e exceções aplicáveis). Além disso, eventual reforma sobre a renda poderá ter resistência dos cidadãos, principalmente da classe média.

Por sua vez, a análise de Paulo Gama foi cirúrgica no sentido de que há consenso para a necessidade de uma reforma, mas nenhum alinhamento no que diz respeito ao seu formato. Conforme sondagens realizadas pelo cientista político da XP, a população parece apoiar a reforma tributária por desejar a redução da carga tributária. Contudo, demonstrou certo ceticismo sobre as chances de redução da carga e de uma reforma ampla. Mencionou ainda que as pesquisas indicam que a população é inicialmente contra um imposto sobre movimentações financeiras, mas vai se tornando gradualmente favorável quando são agregadas contrapartidas, como a desoneração de folha.

O debate mostrou que há muita incerteza quanto ao encaminhamento da reforma tributária no Congresso, especialmente em relação à sua prioridade no parlamento, seu conteúdo e correspondentes impactos.
Ainda não se pode ter clareza sobre qual tipo de reforma será encaminhada à discussão: se uma reforma ampla, fatiada ou somente ajustes pontuais no sistema. Parte desta incerteza também se deve a uma falta de direção do governo federal com relação a este tema, ou ainda aos inúmeros outros desafios econômicos, políticos e de saúde pública que o país atualmente enfrenta. Mesmo que o cenário não seja tão otimista, definitivamente parece haver disposição por parte do Congresso de ao menos continuar as discussões sobre o modelo que poderia ser adotado frente aos diferentes obstáculos e resistências à reforma.

Fonte: JOTA

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